quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Retrato em branco e preto


Meu caderninho de bordo anda meio esquecido...tanto quanto as telas e tintas.As lentes, o “sudoku”e os livros, não! Tenho diversificado meus prazeres e afazeres. Agora ando de amores com a terra, encantada com partos de sementes e crescer de mudas. Lembram aquele meu “Projeto pra daqui a pouco”? Pois é...chegou! Mas entre um brotar e outro, o prazer de belas páginas entrando pelos olhos, acordam lembranças e instigam os dedos.
A fala de uma personagem do delicioso livro “Retrato em Sépia” de Isabell Allende levou-me a refletir sobre uma bela herança: Paixão pela fotografia.
Um dia olhando fotos de família, vejo uma que destoa da época e é a minha preferida. Sempre que fomos fotografados, quando pequenos, estávamos impecáveis, de roupa domingueira, cabelinhos caprichados. Nessa de que falo, me vejo uma molequinha magrela, quase nua, num quintal, pega de surpresa. Quis saber quem tinha feito...minha mãe diz que foi meu pai, que tinha uma Kodak. Ah! Seu João, então herdei mais essa de você hein? Naquela época, um homem pobre, que vivia correndo mundo pra ganhar o pão, dar-se o luxo de ter uma máquina fotográfica, só podia ser por muita paixão mesmo.

Eis o belo texto, que parece um retrato de minha alma e que levou-me ao baú de lembranças:



"...Ao ser observado com verdadeira atenção, um objeto ou corpo de aparência comum transforma-se em algo sagrado. A câmara pode revelar os segredos que o olho desarmado ou a mente não captam; tudo desaparece, salvo aquilo que é enfocado no quadro. A fotografia é um exercício de observação, e o resultado é sempre um golpe de sorte;..."
"...A câmara é um aparelho simples; mesmo o indivíduo mais inepto pode usá-la; o desafio consiste em criar com sua ajuda aquela combinação de verdade e beleza que se chama arte. Essa busca é sobretudo espiritual. Procuro verdade e beleza na transparência de uma folha no outono, na forma perfeita de um caracol na areia da praia, nas curvas de um torso feminino, na textura de um velho tronco, mas também naquelas formas escorregadias da realidade. Algumas vezes, ao trabalhar com uma imagem em meu quarto escuro, aparece a alma de uma pessoa, a emoção de um evento ou a essência vital de um objeto, e nesse momento a gratidão explode em meu peito, e não posso evitar que meu pranto se solte. É para essa revelação que meu ofício aponta...."