terça-feira, novembro 14, 2006

Coisas e Outras Coisas


Noite dessas voltando pra casa, num engarrafamento de tirar do sério a mais zen das criaturas, lembrei-me das palavras de um doce menininho, que do alto da sabedoria e pureza de seus sete anos deixou-me segurando o queixo com esta declaração:

“Eu não gosto muito das coisas que o homem cria... carro, moto, coisas assim...gosto mais das coisas que Deus criou...planta, bicho...”

Sem a inocência dele, sei que as “coisas que o homem cria” são necessárias, mas viveria bem mais feliz num lugar que Deus criou, onde pudesse resolver tudo com as canelinhas que Deus me deu, sem depender de carro, sem buzina, sem engarrafamento...e se nesse lugar o SER fosse mais valorizado que o TER e o COMPRAR, pronto! Faltava mais nada! Mas, falando de coisas, achei muito interessante o trecho de texto que transcrevo abaixo. Não chego ao ponto de gostar mais de coisas que de pessoas...Gosto de pessoas-pessoas que vão ficando cada vez mais raras...o que tem-se “multiplicado em excesso”, são as pessoas-coisas, que se deixam tratar como coisas, ou que insistem em “coisificar” pessoas...entre estas e as coisas, fico com as coisas...

“Eu sonho com uma língua composta unicamente de adjetivos como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.

Com isso, eu também sonho...com certeza, a linguagem dos animais é desprovida de máscaras e armadilhas... Cachorro quando quer distância, rosna, eriça o pêlo, mostra os dentes; quando vai com a cara da gente, abana o rabo, se aproxima, e dependendo de nossa reação teremos um amigo pra toda vida...e assim são os bichos...sabemos o que esperar deles, enquanto gente é capaz de acariciar com uma mão e apunhalar com a outra ou de envenenar sorrindo e dizendo “Te amo”...


De Gramática e de linguagem
(Mário Quintana)

“E havia uma gramática que dizia assim: “Substantivo (concreto) é tudo quando indica pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta.” Eu gosto das cousas. As cousas sim! ...As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso. As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém. Uma pedra. Um armário.Um ovo, nem sempre, ovo pode estar choco; é inquietante...As cousas vivem metidas com as suas cousas. E não exigem nada. Apenas que não as tirem do lugar onde estão. E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta. Para quê? Não importa: João vem! E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão, amigo ou adverso...João será definitivo quando esticar a canela. Morre, João...mas o bom senso mesmo, são os adjetivos, os puros adjetivos isentos de qualquer objeto. Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. Luminoso. Sonoro. Lento. Eu sonho com uma língua composta unicamente de adjetivos como decerto é a linguagem das plantas e dos animais... “

Um comentário:

Anônimo disse...

JÁ TA NA HORA DE ATUALIZAR NÉ?