O plantador de pássaros
O canto de um bem-te-vi corta a manhã cinza, fria e poeirenta de agosto. Saio à procura do cantor. Lá está, no alto de uma das árvores do Seu Zé. Paro para admirar o bichinho, e pensar na importância do trabalho do Seu Zé. Não sei por que o chamo assim; não sei o nome dele. Sei apenas que há muito tempo, sempre que olho pra rua de frente à minha, vejo aquele senhor “armado” de ferramentas de jardineiro, algumas vezes acompanhado de um garotinho, cuidando de plantas no meio da rua. Sim, cuidando de flores, “ervas de chá”, cultivando árvores em terra pública, no meio da rua, sem muro, sem cerca, sem qualquer marco de posse. Sei que é aposentado, que vive sozinho e, ao que parece, escolheu aproveitar o tempo, plantando, doando seu trabalho a quem dele queira desfrutar. E muitos são os que desfrutam. Garis, homens da Companhia de Água, vendedores e tantos outros que trabalham na rua, aproveitam a sombra para descansar. Cavalos de carroça também. Crianças brincam, subindo nas árvores, hoje, coisa rara de se ver. Já vi muita gente colhendo flores e “remédios”. Eu colho belas imagens. Seu Zé, sem saber, a mim fornece matéria prima para boas fotos. Sem saber, também, hipnotiza-me os ouvidos com alegres sinfonias. Por aqui, antigamente, só havia pardais; agora são bem-te-vis, beija-flores, pássaros-pretos, periquitos e até carcarás. Quanta coisa a aprender com Seu Zé! Vejo que ainda não sei dividir. Se cuidasse de um jardim, não gostaria de ver estranhos metendo o “mãozão”. Talvez ele não veja estranhos. Talvez veja todos iguais, amigos, irmãos. Talvez ele saiba que quem cultiva um jardim, cria asas; que quem planta árvores, colhe pássaros livres, que cantam e encantam...e voam...e vão...e voltam ou não.
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