sexta-feira, dezembro 07, 2007

Com quantos tijolos?


Quando criança, tinha em casa um calendário, que minha mãe chamava marca-mês. Era uma placa de plástico imitando azulejo, com o desenho de uma linda casinha azul e a inscrição: “Casa é feita de pedra, lar é feito de amor”...nesse tempo minha casa era de madeira, mas o lar era mesmo de amor. Foi amor que uniu a filha de um comerciante bem “remediado”, lá na Paraíba, a um cabra corajoso que quando a pediu em casamento, disse que tinha por casa o chapéu e de riqueza, os braços para trabalhar... ela aceitou e viveram em união, na saúde e na doença, na tristeza e na alegria, nas lutas e vitórias, no mais verdadeiro sentido de lar até que a morte os separou.
Vejo lares tão quebradiços, que fingem se consertar com o piso de mármore na casa reformada, com o carro novo, com uma jóia, com a viagem dos sonhos... Então me pergunto: com quantos tijolos, com quantos "cavalos", com quantos quilates ou com quantas milhas se constrói um lar?
Ainda prefiro acreditar no “marca-mês”: “Lar é feito de Amor”

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Entretantas...


Entretantas


Entre nuvens uma lua
Entre curvas uma rua
Entre tantas almas nuas
Uma alheia,
Uma minha,
Outra sua...
Uma sua, pinga sal
Outra lacrimeja fel
Uma ri como outra ria
Como ria
Outra geme
Da mesma dor que sentia
Do mesmo sentir que doía
Entre pedras, uma gema
Entre as pernas um poema
Entre flores a espinha
Atravessando a garganta
Uma dança...
A outra canta...
Entre claras,
Nuvem negra
Entre mudas, uma cega
Uma chega, a outra vai
Uma perde, a outra leva
Uma aurora, a outra hiberna
Uma antena, a outra terra
Uma asa, a outra perna
Entre perdas e feridas
A amarga descoberta
O roubado é só veneno
O amado é sulfurino
Lentamente corroendo
O que entre sonhos via
O que amor parecia
O que parecia poesia
Entre tantas, uma outra...

quinta-feira, novembro 15, 2007

Das coisas que nunca foram



Há poucos dias, recebi uma bela mensagem, acompanhada deste instigante pensamento:

"Você vê as coisas como elas são e pergunta: por quê?
Mas eu sonho com coisas que nunca foram e pergunto: por que não?"
(Bernard Shaw)


Pensamentos são para pensar e eu pensei:

Houve tempo em que as coisas que nunca foram me fascinaram, me empurraram (ou me puxaram).
Arroubos, impulsos, querer diferente, paixões inconseqüentes, sonhos de amor eterno, onde “não importavam opiniões alheias”, tudo isso vivi e tudo é passado. Já não me cai bem, como não me cai bem usar saiinha colegial e cabelo “maria-chiquinha”. Olhando para trás vejo o querer sonhar com as coisas que nunca foram como impetuosas quedas d’água que em algum ponto serão águas calmas.
Hoje prefiro a serenidade dos lagos que refletem o real das coisas que são, pois estas, com boa margem de acerto, mostram as coisas como serão.
As coisas que nunca foram, são o amanhã que logo, logo será hoje, que por sua vez será ontem.

Mnemo


Mnemo

Branca espuma de algodão
Doce nuvem , coração
De abóbora,
De vidro ou de leão
Flor do mato, flor do “Rio”
“baronesa”, malmequer
“desfolhada”, chão de ipê
Pétala seca, página virada
Retrato marrom, carta amarelada
Primeiro beijo, última noite
Outra mentira, dor de açoite
Quarto minguante, olho crescente
Lua cheia, veia latente
Candeia vazia, alma vadia
Margarida e marguerita
Nove luas, “liberté”
Cuba libre e “igualité”
Quatro queijos, quatro cantos,
um trinado, um gorjeio,
três desejos, muitos contos
Mil e uma noites nuas
Olhos dágua, furta-cores
Sete curvas, sete dores,
Sete quedas,
sete véus e chapeuzinhos
três porquinhos
três marias,
três valias.
bambalalão, Senhor Capitão
Bolinhas de sol, bolhão de sabão
Cheiro de mar, de onda quebrada
Cheiro de mel, balinha esperada
Gosto de sal, gosto de fel
Feliz idade da pedra encantada
Encanto de estrada, viagem, miragem
Olhar de saudade, fechando o portão
Do tempo que o vento leva
Do tempo que o vento traz.
Tudo é memória, tudo é história.

A História é um romance que foi. O romance é a história que poderia ter sido.”
(Edmond e Jules Goncourt)

domingo, outubro 28, 2007

Com outros olhos


Acho que tudo que se vive bem vivido dá lugar a reflexões. As pessoas, as coisas, as cidades não são. Estão. E podem estar belas, horrendas, alegres, tristes, coloridas ou cinzentas dependendo do nosso espírito. Sempre gostei de viajar. Mas houve época em que fui obrigada a fazer isso, a trabalho e com muita responsabilidade. Três a quatro vezes por ano, tinha de ir à cidade de São Paulo, fazer compras para a loja onde trabalhava. São Paulo era cinzenta, fria, significava insônia, gastrite, medo de assalto. Quando alguém me perguntava se gostava de São Paulo, respondia: Detesto.
Há poucos dias, de férias, passando uma tarde em São Paulo, vi uma cidade alegre, abrigo de todas as tribos, línguas e cores. Cidade onde mulheres sozinhas podem tomar cerveja tranquilamente em um barzinho de calçada, sem serem olhadas como bichos raros ou como vadias; cidade onde o trânsito infernal convive com belos espaços arborizados, onde pessoas passeiam com seus cachorros, onde se come pipoca e se vai a feira de livros, onde intensa vida cultural nos convida a voltar. Mas dessa vez São Paulo era apenas um ponto de partida para a beleza fria e acolhedora da Serra Gaúcha, continuando pela majestade das Cataratas do Iguaçu. Aqui também, cabe dizer que meu olhar era meio fechado e que muitas vezes deixei de lado a idéia de conhecer o sul, pela opinião pré-concebida e baseada em comentários de que o sulista é mal educado e não recebe bem visitantes. Não foi o que vi. Pelo menos nas cidades por onde passei , - Curitiba, Gramado, Canela, Nova Petrópolis, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Garibaldi, Antônio Prado e Foz do Iguaçu – minha cara nordestina assustou ninguém. Seja em Curitiba, que tem servido de modelo para outras cidade do país e do mundo, seja na zona rural,vi um povo muito educado, organizado e desenvolvido. Foi a minha melhor viagem. Voltei de alma limpinha, lavada com vinho e neblina e tatuada de belezas que parecem ter saído de algum conto de fadas.
A minha famosa meia dúzia, convido visitar o novo álbum de fotos: Coisas do Sul, onde coloquei uma amostrinha do que vi e registrei.

Ainda não me achei no tal do Flickr para onde foram migrados os álbuns do Yahoo; estou aprendendo a me organizar, mas vá lá. O endereço é: http://www.flickr.com/photos/asazul/

terça-feira, outubro 09, 2007

Camadas de tinta




Ganhei uma cabaça...certamente “saberia o que fazer com ela”. Foi colhida verde, mas depois de uma cirurgia “estripadora”, muita lavagem e muito sol, a cabaça estava pronta para receber tinta. Agora, a vez da cabeça. E era tanta idéia, que haja cabaça. Sei lá por que, talvez inspirada pela leitura sobre as terras das burcas, imaginei uma cabaça azul- céu com arabescos dourados. Pintei. Não gostei. Foi a coisa mais brega que saiu das minhas mãos; um verdadeiro azul-calcinha com rabiscos dourados. Uma camada de tinta branca deixou a cabaça novinha esperando outro comando da cabeça. O que seria? Algo parecido com arte marajoara? Quem sabe, bege e marrom ou flores em tons “desmaiados”, lembrando retratos antigos? Ou uma “nega maluca” em cores vivas? Ou uns abstratos em vermelho e preto? Ou barras gregas em preto e dourado? Ou?...De tanto “Ou”, saiu foi nada e a cabaça ficou meses esperando quietinha. Agora, sem quê nem pra quê, num repente de pouco mais de uma hora a cabaça virou melancia. Mas, percebi que meu impulso impediu-me de lembrar que a cabaça tinha uma cicatriz e que teria ficado bem legal do lado da casca, não do miolo. “Acho que vou virar a bicha do avesso!” O miolo vira casca e a casca vira miolo...Simples assim! Mais uns dias de dúvida, mais uma camada de tinta branca e eis minha melancia, do jeito que eu queria. E um pensamento: Pena que na vida, não se pode sobrepor camadas de tinta! Não dá para transformar abóbora em carruagem, cabaça oca em fruta suculenta, nem para mudar as cores e os rumos de nossas escolhas. Quase sempre, não há tempo para passar a limpo os rascunhos.

sexta-feira, setembro 21, 2007

O dia em que tive uma borboleta na mão





Já fui tocada, ou melhor, “adejada” por borboletas. Um dia até ganhei de presente um balé inesquecível de uma bela “asazul”. Mas, sempre quis muito, tocar uma delas. Essa semana, vivi essa experiência, esse desejado toque. Não sei de onde, uma bela alaranjada veio parar dentro de casa, bem cedinho. Debatendo-se em busca da saída, partiu uma asa. Lá vou eu, rastejando, me enfiando atrás de móveis tentando ajudá-la. Tentei fazê-la entrar num caneco, não consegui. Tentei com uma folha de papel, fez uma pequena pausa e continuou se batendo. Não queria pegar pelas asas com medo de machucar. Acabei conseguindo chegar bem perto, ofereci a mão e ela aceitou. Fiquei deslumbrada e pensei: Que foto eu vou perder! Mas o importante era salvar a bichinha. Nunca vou entender porque confiou em mim, e ficou quieta na minha mão. Levei-a pro jardim, torcendo para que voasse. Ia ficar sem foto, mas feliz por vê-la livre. Coloquei-a num cacho de hortênsias e ficou parada, abrindo e fechando as asas. Já que não ia embora, fui buscar a câmera para fotografá-la. Ofereci a mão de novo e de novo ela aceitou. Não dava par acreditar que havia uma borboleta pousada em meus dedos.Fiz fotos tremidas de emoção e pela incômoda posição de fotografar com uma mão só. Devolvi-a ao ramo de flores e por mais de meia hora fiquei observando-a. Nunca desejei tanto que partisse algo que sempre quis por perto. Em um minutinho que entrei em casa, sumiu. Desconfiei que a gata a tivesse matado, procurei pelo chão, pelas flores e nada. Algumas horas depois quando saía para trabalhar vi minha fadinha cor de labareda voando como a se despedir. Fiquei feliz, muito feliz! Não me aborrece por muito tempo, que pessoas se afastem de mim ou delas me afastem. Pessoas sabem o que é melhor para elas. Mas me entristece quando um bichinho que precisa de ajuda, foge com medo. Então desejo muito, muito mesmo falar a língua dele. Essa borboleta linda, entendeu o que eu disse em silêncio, o que eu podia fazer por ela e talvez saiba o que fez por mim.
Ficou a lição:
Asas partidas ainda podem voar.
(outras fotos no photografos)

quinta-feira, setembro 13, 2007

Estação Ipê



Brasília está seca, sedenta por chuva há mais de cem dias. Do meio da paisagem enegrecida pelas queimadas, entristecida pelos gramados mortos ou adormecidos, , surgem belezas contrastantes. Como sempre, viajo pela minha janela. No comecinho do Eixo sul, árvores de folhagem de tom marrom-avermelhado prendem meu olhar...logo mais, ao lado de um buraco, onde uma placa diz que está em obras a Estação 108 do Metrô, um esguio ipê amarelo rouba a cena. Bem que podiam batizar o local de Estação do Ipê. Agora meu olhar amarelou. São muitos ipês de silhuetas retorcidas, como se dançassem, talvez a dança da chuva. Em frente ao Banco Central , o mais belo de todos, vestido de amarelo escandaloso, gritante.Enquanto a primavera não chega, esta é a estação do ipê.
Depois desse presente aos olhos, um aos ouvidos: á hora da Ave Maria, ouço um sabiá (ou uma sabiá como preferia Tom) desafinado (sem trocadilhos)...ainda desconfio que venha do computador de algum dos colegas, ou de um toque de celular...apuro bem os ouvidos e tenho a certeza de que vem pela janela da gaiola de concreto onde estamos todos presos ao “abençoado” trabalho de resolver problemas inventados . Dá vontade de gritar: “gente, ouve o sabiá!” Mas pelas caras, ninguém percebeu o canto do iniciante. Sabiás experientes cantam de um jeito que ao meu ouvir parece: Qui foi Juão, Qui foi juão, qui foi que você fez? Esse novinho, fica só no “qui foi, qui foi”? Então sorrio por dentro. Sei que sabiá é metódico; com certeza voltará muitas outras tardes e poderei dizer: minha janela tem paineira onde canta o sabiá.
A beleza está aí, como em todos os anos, todos os dias, todos os momentos. Basta que nos disponhamos a recebê-la. Amanhece, anoitece, mudam as estações, as fases da lua, os humores e os amores, com platéia ou não.

As coisas são o que são. Significados, daremos ou não.
Próxima estação: IPÊ!

quarta-feira, setembro 05, 2007

"Pensações"


Palavrinhas pensantes de Saramago em "O Conto da Ilha Desconhecida":





"Todas as ilhas, mesmo as conhecidas são desconhecidas, enquanto não desembarcamos nelas."





"Gostar, é provavelmente a melhor maneira de ter. Ter, deve ser a pior maneira de gostar."

quinta-feira, agosto 30, 2007

Gente Brilhante


Gente-estrela está por toda parte! Não falo das celebridades. Falo de gente que “faz diferente”, que sabe aonde está indo e vai, porque tem vontade, porque tem força e tem luz própria. E gente assim, contagia, ilumina quem cruza seu caminho.
Essa semana, recebi luz de três dessas estrelas:

Num programa de TV, vi uma artista plástica, cuja arte tive o prazer de conhecer na cidade de Goiás, que, contrariando os moradores de lá, insistimos em chamar de Goiás Velho. Goiandira do Couto( prima de Cora Coralina), pinta com areias da Serra Dourada; usa areia como se fosse tinta e produz beleza, muita beleza, com a mesma simplicidade com que varre a casa sem luxo onde mora sozinha; nunca se casou, nunca teve filhos. Aos noventa e dois anos, cuida da casa, faz a própria comida sem ajuda de ninguém; numa demonstração invejável de mente sadia, desfia um rosário de nomes de países e cidades onde estão muitos de seus belos quadros. Diz que a receita de tanta vida, é viver em paz, não se preocupar com a vida alheia, fazer e desejar o bem. Suas palavras me deram luz.

Um caixa de supermercado, enquanto passava minha compra, conversava sobre estudo, sobre provas com o colega empacotador que parecia não gostar muito do assunto e apenas sorria; e ele insistia: “ tem que estudar, pra melhorar a vida.” Intrometi-me na conversa e perguntei ao conversador: E você? Está estudando? Respondeu orgulhoso que sim e o colega ajudou, dizendo: esse daí tem um mês que não dorme, só estudando. Perguntei de onde tirava tempo, pois passava das 22 horas e até a meia-noite ele estaria ali passando compras e pelo jeito, feliz da vida, bem-humorado e cheio de sonhos e planos. Disse-me que tempo a gente faz, e que a gente consegue tudo que quer de verdade e que seu sonho é se formar e poder olhar pra trás e dizer que valeu todo o sacrifício. Agradeci pelo atendimento, desejei de coração, boa sorte e saí pensando como é bom ver gente que luta. Um verdadeiro Capelo Gaivota, que não se contenta com o que lhe permitem e quer provar que pode muito mais com as asas que tem.Suas palavras me deram esperança.

A terceira luz, na verdade a primeira, vem de uma cabecinha brilhante, de um menino com nome de anjo de apenas 10 anos. Os pais, meus amigos, fazem parte de um grupo raro que não mede distância quando se trata de educação e sabe mostrar o caminho sem deixar de mostrar a margem. Queria mostrá-lo com foto e tudo, mas sei que é meio encabulado e não ia gostar. Mas quero que meus visitantes vejam o que ele fez. Quero destacar que é o trabalho puro, sem retoque, de um menino de dez anos, bem criado em todos os sentidos, que demonstra, com sensibilidade, conhecimento da realidade crua de quem não tem as mesmas condições que ele. Suas palavras me deram alegria! Alegria de saber que nem todas as crianças se perderam na “rede” do “internetês” ke kom seus “floguxos D+”, “euzinhos” e “fotinhas” vem matando o português . Alegria de saber que muitos ainda rejeitam a cabeça de papelão, mesmo sendo esta mais aceitável.
Eis a obra de um cabrinha da peste, danado de iluminado:



POVO DO NORDESTE

Vou lhe falar sobre o Nordeste
Povo que tem raça
Não tem medo da desgraça
Aproveita a água que é escassa
Povo que mora no sertão
E tem fome de leão.

A política só investe em lugares turísticos
Só ajuda aos ricos
Já no interior
O povo é sofredor
As crianças quando vão para a escola, vão de pau-de-arara
E o político inventa que transporte é coisa cara.

Lá o povo gosta de dançar
Frevo, maracatu, ciranda e boi-bumbá
O povo também gosta de apreciar
Paçoca, carne seca, acarajé e bolo de fubá
Vaquejada não pode faltar
Tem até mundial lá no Ceará.

Lá o povo é fiel
Se comunicava pela literatura de cordel
De capa dura
Feita de xilogravura
E escrevendo todo mundo sacaniou
Com o delegado, Presidente e Senador.

Lá no Maranhão
Tem exploração de ouro e madeira
Também tem a zona canavieira
Lá na Bahia tem milho, coco e bovinos
Cacau, algodão e caprinos
Um povo que tem muita plantação.

O trabalho infantil
No Nordeste tem mais de mil
Crianças raramente vão para a escola
E não é para pedir esmola
É para trabalhar na produção
De milho, arroz e feijão.

Lá no Nordeste nasce
Maranhense, sergipano, alagoano, cearense
Pernambucano, paraibano, baiano, piauiense
Quem nasce no Rio Grande do Norte é potiguá ou norte-rio-grandense
Fale corretamente dessa gente
Pois é um povo que não desiste facilmente.

Você já foi ao Nordeste?
Aposto que não foi no interior
Onde o povo é sofredor
Vamos crescer e mudar esse país
Pois será melhor
Ver o Nordeste ser feliz.

sexta-feira, agosto 24, 2007

O Plantador de Pássaros


O plantador de pássaros


O canto de um bem-te-vi corta a manhã cinza, fria e poeirenta de agosto. Saio à procura do cantor. Lá está, no alto de uma das árvores do Seu Zé. Paro para admirar o bichinho, e pensar na importância do trabalho do Seu Zé. Não sei por que o chamo assim; não sei o nome dele. Sei apenas que há muito tempo, sempre que olho pra rua de frente à minha, vejo aquele senhor “armado” de ferramentas de jardineiro, algumas vezes acompanhado de um garotinho, cuidando de plantas no meio da rua. Sim, cuidando de flores, “ervas de chá”, cultivando árvores em terra pública, no meio da rua, sem muro, sem cerca, sem qualquer marco de posse. Sei que é aposentado, que vive sozinho e, ao que parece, escolheu aproveitar o tempo, plantando, doando seu trabalho a quem dele queira desfrutar. E muitos são os que desfrutam. Garis, homens da Companhia de Água, vendedores e tantos outros que trabalham na rua, aproveitam a sombra para descansar. Cavalos de carroça também. Crianças brincam, subindo nas árvores, hoje, coisa rara de se ver. Já vi muita gente colhendo flores e “remédios”. Eu colho belas imagens. Seu Zé, sem saber, a mim fornece matéria prima para boas fotos. Sem saber, também, hipnotiza-me os ouvidos com alegres sinfonias. Por aqui, antigamente, só havia pardais; agora são bem-te-vis, beija-flores, pássaros-pretos, periquitos e até carcarás. Quanta coisa a aprender com Seu Zé! Vejo que ainda não sei dividir. Se cuidasse de um jardim, não gostaria de ver estranhos metendo o “mãozão”. Talvez ele não veja estranhos. Talvez veja todos iguais, amigos, irmãos. Talvez ele saiba que quem cultiva um jardim, cria asas; que quem planta árvores, colhe pássaros livres, que cantam e encantam...e voam...e vão...e voltam ou não.

terça-feira, agosto 21, 2007

Migozarad


Migozarad!



Há um tempo, a expressão “Vai passar” vem-me perseguindo, ou, melhor piscando feito uma fadinha luminosa a dizer: veja como sou bela e poderosa!
Lendo “O Mundo de Sofia” encontro-a (a expressão) camuflada nestas palavras:

Nada acontece por acaso. Tudo acontece porque tem de acontecer e de nada adianta alguém lamentar a sorte quando o destino bate à sua porta. Também as coisas felizes devem ser aceitas com grande tranqüilidade.”

Em “O Livreiro de Cabul”, depois de “O Caçador de Pipas”, outro bom livro sobre a crueza do regime talibã no Afeganistão, encontro-a num muro, como desabafo de um povo sofrido: “Migozarad” (Vai passar!).

Há poucos dias recebi uma mensagem que se pode resumir assim: Um rei testando a capacidade de um fiel escravo, depois de várias exigências absurdas, determina: “Crie uma frase, que me alegre quando eu estiver triste, e que me deixe triste quando estiver feliz. A frase apresentada foi: Vai passar!
E não é verdade? Daí lembrei-me de outra que ouço de minha mãe, desde que me entendo por gente: Não tem mal que sempre dure, nem tem bem que não se acabe.
E a vontade de escrever sobre isso, veio num fim de tarde, depois de um dia de trabalho daqueles em que a gente tem de engolir verdadeiras jias, porque nem todos os administradores sabem a diferença entre ser chefe e líder nem a diferença entre o ambiente de trabalho e o quintal de casa e ainda usam e abusam do “poder” para deixar suas marcas pessoais, extravasar o veneno da vaidade exagerada, numa declaração muda e burra de que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Mas, passa! Passa o poder, a ira, a ansiedade, a insegurança, o medo, a juventude, a beleza, a glória, a paixão, a dor física ou da alma, a fome, a sede. Tudo vai passar, porque tudo é da cera que nos molda e se derrete com o tempo. Somente a chama que nos ilumina e nos faz essência, permanece, apesar dos sopros, dos ventos, das tempestades. Migozarad!

sábado, agosto 11, 2007

...E eu sempre te amando!


A um menino que aos oito anos sabia falar de amor, e aos dez, desenhava vitrais, mamãe coruja, babona assumida tem a dizer, plagiando suas palavras:
...passaram vinte e três anos e eu sempre te amando. Você é o melhor filho do mundo!

Você é o que veio me ensinar a olhar pra frente e pro alto;
Feliz aniversário, filho mio!

quinta-feira, agosto 09, 2007

Rio,rio, rio


Rio, rio, rio.


rio do sorriso patético metálico
rio do sorriso
aquático da iara
rio das quedas, das pedras atiradas,
rio das contas, do canto da sereia,
rio... do sorriso do lagarto, do gato de Alice ,
rio. do sorriso da miss, artifício-dentifrício.
rio do riso
aquoso da hiena
presa, diante da presa,
carnívoro riso...
rio cristalino,
nascente leva à foz,
rio turbilhão , represa traz a luz
rio riso irônico, raivoso, debochado
rio do seu riso amarelo mascarado
rio pro sorriso
banguela inocente,
rio pro sorriso miserável desdentado
rio, Monalisa, seu sorriso enigmático
rio que fecunda, arrasta, leva a vida
rio da cascata, rio da canoa
Rio do Cristo, Rio corcovado
Rio, morro abaixo,
rio mar adentro
Amazonas, Nilo, Tejo
rio mundo afora
rio, que passa! Já não é o mesmo. Rio
Rio... de janeiro a dezembro
Rio, por dentro, bom remédio!
Rio, porque ri e corri á toa.

quarta-feira, agosto 08, 2007

sexta-feira, agosto 03, 2007

Sem açucar, sem afeto


Que fim levaram as crianças-crianças? Aquelas vestidas como crianças, brincando como crianças, calçadas ou descalças como crianças? Cadê os cabelos de anjinhos, as tranças, as bonecas de pano, as cantigas de roda, carrinhos de rolemã, as bolas de meia, o jogo de figurinhas, o pique-pega, o esconde-esconde?
Cadê os pais que ensinavam as crias a respeitar os mais velhos, os doentes, os “diferentes”? cadê os pais que mostravam o caminho, mandavam devolver o troco a mais, ou desfazer a troca de brinquedo feita sem autorização de adultos? Cadê os pais que ajudavam com o “dever de casa”, que não precisavam de “Super Nanny “para dizer: agora não, é muito caro, é muito cedo, já é tarde, arrume a cama, guarde um pedaço pro seu irmão, cuide do cachorro, molhe as plantas...cadê?
Tão “out” (também é fora de moda dizer “fora de moda”) quanto educar criança como criança, é a idéia de família estruturada. Casamento é uma noite de festa, um belo vestido de noiva, tacinhas de champanhe, viagem de lua de mel. Se não houver, “compatibilidade de gênio”? separa! Filhos? Todo mundo quer um lindo bebê “Jhonsons”. E dessas ligas sem alicerce, vem a multidão de pequenos ditadores que exigem dos pais-bananas, a roupa da moda, a mochila da moda, o game da moda, de preferência com muito sangue e muita porrada; e os pais ausentes, vão trocando presença por presentes, delegando o dever ( ou direito) de educar á babá, eletrônica ou não, à tia do colégio (professora também é fora de moda), ao garçom, á polícia, ao mundo.
E aí, quando nos vemos diante de “garotos de classe média” que queimam índio porque parecia mendigo, espancam trabalhadora porque a confundiram com prostituta, vem aquela velha pergunta-chavão: “Por que tanta violência, se têm tudo?”
Na pergunta está a resposta. Talvez tenham “tudo” demais. Tudo o que o dinheiro pode comprar e nada dos valores verdadeiros, dos valores que não se traduzem em cifras.
Talvez se trouxermos de volta a infância, haja menos jovens e adultos sem açúcar e sem afeto, talvez o SER triunfe sobre o TER, talvez a vida valha mais e seja mais doce.

quarta-feira, julho 11, 2007

Prazer em Conhecer


Prazer em conhecer


Expressão pouco usada em nossos dias. Hoje quando nos apresentam alguém quase sempre ficamos no “Oi! Tudo bem?”. Mas por ser pouco usada, estalou-me aos ouvidos dia desses. E dos ouvidos foi pro tutano e ficou martelando. Quando é mesmo que conhecemos alguém? Dizem os mais experientes que duas pessoas só se conhecem, depois, de vivendo debaixo do mesmo teto, juntas comerem um quilo de sal. Acho pouco ainda. Acho mais é que na verdade nunca conhecemos pessoas. Nem mesmo a pessoa que mora dentro de nós, pois quanto mais sabemos, sabemos que nada sabemos. Mas, prazer em conhecer tem significado muito mais amplo, mais profundo. Não tem preço, o prazer de descobrir, de conhecer História, histórias e estórias. Culturas antigas, folclores, pensamentos, artes. É viajando, visitando comunidades, museus, centros históricos, que temos esse prazer mais vivo. Mas também pelas portas que nos abrem os livros, a boa música e os bons filmes, é possível chegar bem perto.
Acabei de fazer uma belíssima viagem por um livro fantástico que me levou ao mundo dos “filo-sofos”, dos amantes da sabedoria. O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder é um curso de filosofia, “disfarçado” de romance, que nos faz sentir personagens do mundo do aprender, viajando ao encontro de Sócrates, Platão, Tales, Aristóteles, Freud e outras tantas cabeças pensantes. Nesse baú de preciosidades, entre o Juramento de Hipócrates, o átomo de Demócrito e tantas outras pedras raras, encantou-me esta jóia:

“Conta-se que um dia, Sócrates parou diante de uma tenda do mercado em que estavam expostas diversas mercadorias. Depois de algum tempo, ele exclamou; “Vejam quantas coisas o ateniense precisa para viver!” Naturalmente ele queria dizer com isso que ele próprio não precisava de nada daquilo.
Essa postura de Sócrates foi o ponto de partida para a filosofia cínica, fundada em Atenas por Antístenes – um discípulo de Sócrates -, por volta de 400 a.C.
Os cínicos diziam que a verdadeira felicidade não depende de fatores externos como o luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira felicidade consistia em se libertar dessas coisas casuais e efêmeras. E justamente porque a felicidade não estava nessas coisas ela podia ser alcançada por todos. E, uma vez alcançada, não podia ser perdida.
O cínico mais importante foi Diógenes, discípulo de Antístenes. Conta-se que ele vivia dentro de um barril e não possuía mais do que uma túnica, um cajado e um embornal de pão. (Desse jeito não era nada fácil roubar dele sua felicidade!) um dia, quando estava sentado ao sol junto ao seu barril, recebeu a visita de Alexandre Magno.Alexandre aproximou-se do sábio, perguntou-lhe se tinha algum desejo e disse-lhe que, caso tivesse, seu desejo seria imediatamente satisfeito. Ao que Diógenes respondeu: “Sim, desejo que te afastes da frente do meu sol”. Com isto, Diógenes mostrou que era mais rico e mais feliz que o grande conquistador que tinha tudo o que desejava.”

Quisera eu, chegar um dia, a desejar tão pouco que tivesse tudo o que desejasse.
Quisera eu, chegar um dia, a necessitar apenas da luz.

“O verdadeiro conhecimento é para o homem, como o sol que fecunda o solo”
(Nikolai Frederik Severin Grundtvig)

terça-feira, junho 26, 2007

Um Lugar Diferente


Um lugar diferente


“Ao entrar, desarme sua mente” – Diz o Aviso. Acho que é preciso mesmo. Não desarmei a minha e fiquei oscilando entre admirar e reprovar. É um recanto de natureza belíssima, bom para acampar, para pescar e fotografar. Vale conhecer. É a “Estância Ecológica do Ligeirinho”...Ligeirinho é Aluísio, um dos integrantes do motoclube “kamikazes”; um homem de barbas e cabelos muito longos, de roupas exóticas que recebe os visitantes com muita simpatia e com mesuras que lembram um mago chinês. A casa dele, aberta a quem quiser entrar, tem quartos sem portas e é uma espécie de museu onde se encontram, amontoados, móveis velhos, álbuns de fotografia da família, livros, discos antigos, arte riquíssima e muita coisa um tanto macabra ( bonecos decepados, esculturas de cabeças sangrentas, coisinhas assim). Uma bela arquitetura “habitada” por um conceito de vida que assusta mentes armadas como a minha, presas a conceitos de organização, limpeza, segurança . Um lugar onde se pode pegar o sol com a mão, ver espetáculos deslumbrantes como um amanhecer totalmente branco de neblina e um pôr-de-sol dourado, conversar com araras, ver pavão no telhado, dividir o caminho com bezerros e cavalos, montar búfalo e avestruz....e ficar matutando os mistérios que envolvem a mente.
Das quase 400 fotos colhidas, divido algumas com você.

sexta-feira, junho 22, 2007

O Amor é Lindo!!!


O Amor é Lindo!


Assim caminha a humanidade, assim caminhamos nós moradores de Brasília orgulhosos de nossa marca registrada: Individualismo. Não conhecemos o vizinho, nem o colega de seção, nem o companheiro de transporte. Cá estamos nós, um “comboio” de indivíduos, no mais profundo significado da palavra. Individualizados, individualistas, cada um com seu umbigo, cada um com seu ouvido, cada um com sua janela. Através da minha, atravesso a paisagem quase sem notar a “barriguda” que exibe uma flor solitária. Ah! Como são belas as flores solitárias! uma só flor em uma árvore nua me enche mais os olhos que um ipê todo florido. Mais um sintoma de individualismo? Talvez. Olho por um instante à minha volta. Caras amarrotadas, sonolentas, entediadas. Algumas ansiosas de olho no relógio. A meu lado uma criança mal dormida, agarra-se à mochila de letras adormecidas. Que será que vai aprender hoje? Vez em quando olha para trás, talvez procure a presença da mãe. Podia ter-me oferecido para trocar de lugar com ela, mas tava muito ocupada com minha janela, e daqui a pouco acaba a viagem para mim. Dou mais uma olhada. Quase todos de ouvidos tapados, cada um com sua música. Brinco de adivinhar o que estão ouvindo. Bobagem! De ouvidos abertos, mas voltados à minha música interior, só ouço o que quero, o que associo a gestos, a roupas, a comportamento. Levanto. A mãe vem correndo pra sua cria que não precisa mais olhar pra trás.
Outro ambiente. Outro núcleo de indivíduos. Espera educada, civilizada. A maioria está só. Os acompanhados falam baixinho, quase ao pé do ouvido para não incomodar. Ótimo. Um casal prende-me a atenção. A mulher aparenta quarenta e muitos. O rapaz, menos de trinta. São parecidos. Têm traços árabes. Ela, um olhar altivo, mas triste apesar do forte delineado a lápis preto. Empurra a cadeira de rodas com jeito de quem ainda não se acostumou àquela missão. Ele com dificuldade de movimentos, gira a cabeça procurando algo pela sala. Um olhar que parece procurar outros olhares para deles fugir. Transmite uma sensação de “quer saber por que estou aqui? ” Ou talvez: “Não me olhe com piedade”. Fujo por um instante, mas volto a eles, alimentando um turbilhão de perguntas. Quem seria ele antes? O que o teria levado àquilo. Velocidade irresponsável no trânsito? Acidente causado por ele mesmo ou por outro? Um mergulho arriscado? Um tombo? algum esporte radical? Uma doença? Esqueço minhas perguntas quando vejo a mulher sentar-se ao lado dele. Estende a mão muito branca de unhas bem pintadas e espera pacientemente. Ele lentamente põe a mão sobre a dela. A mão dela recebe a dele com muito carinho e o olhar que mostra a ele diz, sem uma palavra: Eu te amo, estou com você. É um olhar marejado e um amor que emociona. Não dá pra saber se de mãe pra filho, de irmã pra irmão, de mulher pra homem. É apenas AMOR puro, amor em essência.
Ainda pensando em quanta coisa vivi nessa manhã entro num shopping. À minha frente um casal, com certeza passado dos setenta anos, de mãos dadas. Ela, um passinho adiantada parece a dona da situação naquele momento. Olho bem pra ele. Usa um moleton confortável com cara de pijama, um chapeuzinho que deixa à mostra a ausência de cabelos. Vira-se um pouquinho, vejo uma máscara hospitalar que lhe cobre o rosto quase todo. Sinais de quimioterapia? Fixo-me nas mãos entrelaçadas. Lá também está escrito: Eu te amo. Sigo pela torrente de indivíduos, perguntando-me quantas juras de amor eterno “na saúde e na doença”, sobrevivem. Pelo menos por hoje, meu gelo foi quebrado. Vi por duas vezes o amor e ele continua lindo. Tão lindo que pra ilustrar isso aqui, não quero fotos de casais aos beijos teatrais contra um pôr-de-sol. Quero uma flor, a mais bela rima para o amor.

sexta-feira, junho 01, 2007

Lu-a-zu-ver-de-vi-da






Ontem, entre uma exigência e outra, das “providências cabíveis”, do cinzento da minha gaiolinha de concreto, ouvi palavras mágicas: lua azul. Quis saber mais. Ando meio desligada dos noticiários, cansada dos prende-e-solta, da guerrinha de vaidade dos poderes; mas acabei vendo notícias, pesquisando na rede e descobri que pouquinho depois das 22 horas a lua azul seria visível e que lua azul ocorre quando há duas luas cheias em um mês. Para os místicos, o poder da “deusa” é muito maior. Para os poetas, um prato cheio. Para mim, uma revoada de idéias azulzinhas. Queria escrever, fotografar, pintar luas azuis. Procurei o cantinho mais alto do quintal, montei o tripé, vesti um agasalho e fique de plantão. Não vi a lua azul. Vi a deusa dos magos, dos loucos, dos amantes e dos poetas, vestida de manto azul. Vi também uma bola verde, que desconfiei ser um defeito da lente. Não era. Entre mais de cem fotos, a bola aparece muitas vezes e em posições diferentes. Fui dormir com a bola verde me martelando. Hoje corri para ver o jornal, esperando ver a lua azul bem na capa. Talvez alguém falasse sobre a bola verde. Nem na capa, nem em lugar algum. Parece que ninguém deu muita bola às bolas de luz. Mas havia uma história azul de verde vida. O caderno “Cidades”, do Correio Braziliense, sempre traz Histórias, assim mesmo com agá maiúsculo, contadas por Marcelo Abreu. Nada sei sobre ele, sei apenas que conta Histórias como ninguém. Histórias de amores possíveis, verdadeiros, que duram a vida inteira, que vencem Down, Alzheimer, depressão, falta de dinheiro. Histórias de gente bonita sem maquiagem e que sonha apenas morar à beira de um rio bonito com um cachorro; gente que não esconde rugas, cicatrizes, aleijões; sim, aleijões, pois como diz minha amiga Márcia, todo mundo tem. Histórias de gente que vence a morte, que junta cacos de vida e os transforma em belos mosaicos. A História de hoje é sobre André, que depois de vencer batalhas contra o diabetes, quer deixar suas marcas na vida. Plantou uma árvore. Disseram-lhe que a árvore atrairia lagartas. Ele disse que lagartas trazem borboletas e que borboleta é sinal de vida. Disse também que falta ter um filho e escrever um livro. Que Deus o ouça. Que tenhamos olhos e ouvidos para histórias assim e tempo para as luas azuis, vermelhas ou prateadas.

terça-feira, maio 29, 2007

Cores daqui, cores dalém


A tentativa de aprisionar formas e cores, nos acompanha desde as cavernas. A vontade de mostrar também. Fotografia pra mim é isso.

Ando por aí, colhendo bons momentos e coisas que atraem minhas lentes.

Aqui estão alguns de meus olhares, minhas caras, minhas cores, minhas flores, borboletas e outros seres, escolhidos com muito carinho.

A porta está sempre aberta.

Seja bem-vindo!


Cores Dalí


Porque nem todo poema é azul. Porque nem só de agressões vivem as cicatrizes. Porque para sentir outra vez o sabor do mel, é preciso derramar a última gota de fel. Porque a diferença entre mel e fel, é de apenas uma letra, um ponto na língua, algumas palavras.



Cores Dali

Em letras gigantes,
Cores vibrantes
A tabuleta diz que é um lar
E que se é feliz ali.

Há uma fresta.
Pela porta entreaberta
Uma visão de Dali, salva a dor,
Findo o amor.

Migalhas sobre a mesa
Migalhas sob a mesa
Pratos sobejados
Copos marcados
Cama desfeita
Marcas de corpos
Rastros
Fio de cabelo
Fio de navalha
Panos rasgados
Planos cortados

A boca do lobo
Abate o cordeiro
Que sangra e se debate.

Nas migalhas sob a mesa
Águia cisca e cacareja
Bica vorazmente
A fruta que, colhida verde,
Embolora, perde a semente.

A cabeça pende,
Oscila
Entre o que sente a pele
E o que a alma sente.

Alma encolhida,
amordaçada
Sente escondia
o que a pele cala.

A pele engolida
Por encarnada touca oca,
rósea, desbota esbranquiçada.
Sal congelado,
Insipidez.
Ponteiro atrasado,
Insipiência ou insensatez.

Sorriso torto,
riso morto.
olhar sem brilho,
reflete o frio
aço do outro.

Há uma fresta,
Porta entreaberta.
Lar, Doce lar!

segunda-feira, maio 21, 2007

Pra refletir


As flores não são perenes, mas cultivadas as sementes e preservadas as raízes, perenes serão as floradas.

Portas para a luz


A biblioteca do órgão em que trabalho, promoveu um concurso de redação com o tema: "A Importância da Biblioteca para Divulgação do Conhecimento". Os três primeiros colocados receberiam como prêmios, livros jurídicos. Meu filho viu antes que eu visse e disse brincando: Vai lá mãe, ganhar pra mim! Fui. Ganhei o segundo lugar, a segunda pilha de livros aí da foto. Estou preparando para a minha meia dúzia de visitantes, um álbum com fotos de bons momentos, incluindo a cerimônia de entrega dos prêmios. Quando ficar pronto, aviso. Se divulgarem as redações, e me autorizarem os autores, pretendo mostrar aqui, pelo menos a da primeira e a do terceiro colocados. Por enquanto, vai a minha:



Portas para a luz



Tive infância e adolescência bem supridas de leitura. Em casa, eram raros os livros e muitos os cartões de bibliotecas públicas graças aos esforços de minha mãe, que queria para os filhos, futuro que nos orgulhasse do passado. Ela interpretou bem a passagem bíblica: “Ensina a criança no caminho em que deve andar e ainda quando for velho não se desviará dele”. Palavras que traduzi em: ensina à criança o caminho da biblioteca e ela jamais se “livrará” dele...estará para sempre livremente ”enlivrada”.
As atuais “Caixas de Leitura”, no meu tempo circulavam pelas escolas públicas, com o nome de “Biblioteca Ambulante”. Eram caixas em forma de pequenas casas, cheias de livros novinhos. Eram o prazer maior; melhor que qualquer guloseima, que qualquer brinquedo, era dar a “Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, partilhar as descobertas de Robinson Crusoé, viver o encanto de lendas e contos.
Tempo passando, bibliotecas sempre presentes, mudando apenas o foco de interesse. Em vez de estórias, a História com o fascínio das antigas civilizações, dos grandes descobrimentos; o encanto das artes e das ciências. Biblioteca, cantinho de estudar, em paz, para provas e concursos, conferir os resultados e vibrar com a aprovação. Biblioteca, ponto de encontro com Drummond, com Cecília, com Veríssimo e sua “Música ao Longe”. Íntimos, assim mesmo, pois na biblioteca, os “imortais” estão sempre ao alcance de qualquer mortal disposto a conhecê-los página por página.
Seja a nossa “Biblioteca Ministro Oscar Saraiva”, com seus tesouros jurídicos e recursos tecnológicos, seja aquela famosa que nasceu num açougue em Brasília, seja a Caixa de Leitura levada em lombo de jegue alegrando crianças nordestinas ou aquela outra, em São Paulo, criada por um “catador” que recolhe os livros do lixo, onde nunca deveriam estar, bibliotecas são portas para a luz, para a grandeza do conhecimento..

sábado, maio 12, 2007

Mãe


Mãe

Receberás a semente
Guardarás em teu ventre...
Darás luz, leite, amor...
Darás a vida.
Serás peito, colo, amparo...
Ensinarás o caminho
Serás porto seguro e leme.
Serás ninho.
Perdoarás setenta vezes
Vezes sete, se preciso for
Ensinarás tudo outra vez.
Teus frutos, nunca maduros
Serão sempre meninos
E tu serás apenas MÃE.

terça-feira, maio 08, 2007

Claro Lado Escuro


Claro lado escuro


Um dia, alguém que lê minhas abobrinhas, perguntou-me se escrevo “com endereço”. Às vezes. É que as tragédias e comédias humanas são feitas dos mesmos ingredientes; mudam as medidas e o tempo de cozimento. Por isso, o que às vezes parece ter um endereço determinado, tem vários ou nenhum. Mas hoje escrevo com endereçoS e dataS.
Oito de maio, um ano de cor...sinto decepcioná-lo mas não, não troquei o d pelo c, é de cor mesmo. A dor existiu intensa e rápida como a de qualquer bofetada; há um ano levei o maior, mais covarde e mais benéfico tapa na cara (da alma), de toda esta minha vida; digo desta, porque com certeza em outras fiz por merecer; e digo benéfico porque me levou a um lugar conhecido dos velhos “xamãs”: um lugar dentro, muito dentro de mim (descubra o seu!), onde a dor não alcança. Eu o imaginava sombrio, totalmente fechado. Não é. Se lá fora, vejo cores, aqui vejo cores, tons e matizes. Posso dizer que não tem portas para o passado, apenas uma ampla janela para o presente, com belíssima vista pro verde esmeralda, verde musgo, verde inglês, claro, médio e escuro, verde esperança, azul turquesa, cobalto, ultramar, azul marinho, azul carinho e quantos mais eu queira, basta misturar. É onde mostro minhas caras, minhas cores, minhas flores, minhas asas, minhas penas, minhas dores, escaras, espinhos e espinhas, até mesmo as entaladas na garganta. Mostro a cauda em leque e também os pés de pavão; as patas macias e as garras retráteis; asas blindadas em aço, dotadas de hipersensores. Portanto, não me julgue insensível se não tenho saudades do que se jogou fora há um ano, nem do que se perdeu há vinte, nas areias do mar, de um mar que cheirava a mel. Se não sinto sua dor nem sua alegria, é que elas são só suas e as minhas, só minhas. Descobri o lugar (ou o tempo?) onde o outro, (pai, mãe, filho, irmão, amigo, amante), é apenas um companheiro de viagem e onde cada momento deve ser vivido inteiro, para que depois da partida, nada reste que valha um olhar para trás. É o meu claro lado escuro. A face oculta da lua, também é lua.

segunda-feira, abril 30, 2007

Declara Sua Renda


Há mais ou menos um ano, conheci este texto que me encantou. É a página 65 do livro “Cadeira de Balanço” de Carlos Drummond de Andrade. Sendo hoje é o último dia para declarações de renda, quem sabe, assim como o poeta, nos descobrimos sonegadores e resolvemos declarar rendimentos de bens de que tenhamos a posse, como se nos pertencessem? Eu posso declarar o prazer de ouvir uma orquestra de passarinho, de desenhar caras conhecidas em gordas nuvens brancas, de sentir o cheiro de manjericão colhido do meu jardim, de andar por aí, de ver, de ter faro pra distinguir o que vale a pena do que tenta parecer que vale. Em qual rubrica? Que tal Bens Incalculáveis?.


Declara Sua Renda
(Carlos Drummond de Andrade)



Sr. Diretor do Imposto de Renda:


O senhor me perdoe se venho molestá-lo. Não é consulta: é caso de consciência. Considerando o formulário para declaração de imposto de renda algo assimilável aos textos em caracteres cuneiformes, sempre me abstive religiosamente de preenchê-lo. Apenas dato e assino, entregando-o, imaculado como uma virgem, a um funcionário benévolo, a quem solicito: “Bote aí o que quiser”. Ele me encara, vê que não sou nenhum tubarão, rabisca uns números razoáveis, faz umas contas, conclui: “É tanto”. Pago, e vivemos in love, o Fisco e eu. Mas este ano ocorreu-me uma dúvida, a primeira até hoje, em matéria de renda e de imposto devido. O bom funcionário não soube resolvê-la, ninguém na repartição o soube.
Minha dúvida, meu problema, Sr. Diretor, consiste na desconfiança de que sou, tenho sido a vida inteira um sonegador do Imposto de Renda. Involuntário, inconsciente, mas de qualquer forma sonegador. Posso alegar em minha defesa muita coisa: a legislação, embora profusa e até florestal, é omissa ou não explícita; os itens das diferentes cédulas não prevêem o caso; o órgão fiscalizador jamais cogitou disso; todo mundo está nas mesmas condições que eu, e ninguém se acusa ou reclama contra si mesmo. Contudo, não me conformo, e venho expor-lhe lealmente as minhas rendas ocultas.
A lei manda cobrar imposto a quem tenha renda líquida superior a determinada importância; parece claro que só tributam rendimentos em dinheiro. A seguir, entretanto, a mesma lei declara: “São também contribuintes as pessoas físicas que perceberem rendimentos de bens de que tenham a posse, como se lhes pertencessem.” E aqui me vejo enquadrado e faltoso. Tenho a posse de inúmeros bens que não me pertencem e que desfruto copiosamente. Eles me rendem o máximo, e nunca fiz constar de minha declaração tais rendimentos.
Esses bens são: o Sol, para começar do alto (só a temporada de praia, neste verão que acabou, foi uma renda fabulosa); a Lua, que, vista do terraço ou da calçada da Avenida Atlântica, diante do mar, me rendeu milhões de cruzeiros-sonho: as árvores do Passeio Público e do Campo de Santana, que alguém se esqueceu de cortar; a montanha, as crianças brincando no play-ground ou a caminho da escola; em particular, três meninos que vêm e vão pelo ar, tão moleques e tão rendosos para este coração; as mangas, os chocolates comidos contra prescrição médica, um ou outro uísque sorvido com amigos, com calma calmíssima; os ventos de três poetas, um francês, um português e um brasileiro; certos prazeres como andar por andar, ver figura em edições de arte, conversar sem sentido e sem cálculo, um filmezinho como Le petit poison rouge, em que o gato salva o peixe para ser gentil com o canário, indicando um caminho aos senhores da guerra fria; e isso e aquilo e tudo mais de alta rentabilidade... não em espécie.
Estes os meus verdadeiros rendimentos, senhor; salários e dividendos não computados na declaração. Agora estou confortado porque confessei; invente depressa uma rubrica para incluir esses lucros e taxe-me sem piedade. Multe, se for o caso; pagarei feliz. Atenciosas saudações.

sexta-feira, abril 27, 2007

O homem de cabeça de papelão

É um longo texto. Tome às colheradas. Pode ser colher de café , quantas vezes quiser...mas é muito bom aprender a usar a cabeça de papelão!
O homem de cabeça de papelão
João do Rio


No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.
O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!
Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.
Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.
Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.
Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós.
Antenor, diante da evidência, negou-se.
— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.
— Mas não quero ser nada disso.
— Então quer ser vagabundo?
— Quero trabalhar.
— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando, é vagabundo.
— Eu não acho.
— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique.
Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.
Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!
Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:
— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros.
Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...
O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:
— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.
— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?
-Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.
No País do Sol o comércio é uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.
Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.
— É doido, mas bom.
Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais.
Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.
— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...
— É da tua má cabeça, meu filho.
— Qual?
— A tua cabeça não regula.
— Quem sabe?
Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.
— Só caso se o senhor tomar juízo.
— Mas que chama você juízo?
— Ser como os mais.
— Então você gosta de mim?
— E por isso é que só caso depois.
Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.
Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.
— Traz algum relógio?
— Trago a minha cabeça.
— Ah! Desarranjada?
— Dizem-no, pelo menos.
— Em todo o caso, há tempo?
— Desde que nasci.
— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...
Antenor atalhou:— E o senhor fica com a minha cabeça?
— Se a deixar.
— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...
— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.
— Regula?
— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.
Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.
Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.
Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.
— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!
Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.
— Há tempos deixei aqui uma cabeça.
— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.
— Ah! fez Antenor.
— Tem-se dado bem com a de papelão?
— Assim...
— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.
— Mas a minha cabeça?
— Vou buscá-la.
Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.
— Consertou-a?
— Não.
— Então, desarranjo grande?
O homem recuou.
— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.
Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.
— Faça o obséquio de embrulhá-la.
— Não a coloca?
— Não.
— V.EX. faz bem.
Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.
Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.
— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.
— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.
Antenor ficou seco.
— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.
E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.

João do Rio foi o pseudônimo mais constante de João Paulo Emílio Coelho Barreto, escritor e jornalista carioca, que também usou como disfarce os nomes de Godofredo de Alencar, José Antônio José, Joe, Claude, etc., nada ou quase nada escrevendo e publicando sob o seu próprio nome. Foi redator de jornais importantes, como "O País" e "Gazeta de Notícias", fundando depois um diário que dirigiu até o dia de sua morte, "A Pátria". Contista romancista, autor teatral (condição em que exerceu a presidência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, tradutor de Oscar Wilde, foi membro da Academia Brasileira de Letras, eleito na vaga de Guimarães Passos. Entre outros livros deixou "Dentro da Noite", "A Mulher e os Espelhos", "Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar", "A Alma Encantadora das Ruas", "Vida Vertiginosa", "Os Dias Passam", "As religiões no Rio" e "Rosário da Ilusão", que contém como primeiro conto a admirável sátira "O homem da cabeça de papelão". Nascido no Rio de Janeiro a 05 de agosto de 1881, faleceu repentinamente na mesma cidade a 23 de junho de 1321.
O texto acima foi extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", organizada por R. Magalhães Júnior, Editora Civilização Brasileira — Rio de Janeiro, 1957, pág. 196.

quinta-feira, abril 26, 2007

Conjugando...


Já não é novidade para meus vistantes, o meu encantamento por palavras bem trabalhadas (ou "brincadas"?)...Esta jóia me foi apresentada por um amigo que sofre do mesmo mal...é o meu amigo que se encanta com palavras, com belezas de dentro, com orquídeas; vibra com as conquistas de suas lindas crias, faz poesia pra sua Helena; pode chorar de felicidade ou diante de uma injustiça; ensinou-me a usar a "cabeça de papelão" (motivo pra uma próxima postagem) e sabe bem o que guardam minhas gavetas...

Sobre o autor, preciso descobrir mais...






Como se conjuga um empresário

(Mino - escritor cearense)



Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se. Lanchou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou. Cumprimentou. Orientou. Controlou. Advertiu. Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Preparou-se. Examinou. Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou Lucrou. Lesou. Explorou.Escondeu. Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se. Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. Repreendeu. Suspendeu. Demitiu. Negou. Explorou. Desconfiou. Vigiou. Ordenou.Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou. Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou. Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se. Envegonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou. Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou.Sonhou. Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Tentou. Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu. Acordou. Levantou-se. Aprontou-se...

sábado, abril 21, 2007

Brasilha



" Brasília cinqüenta anos – do abstrato de um sonho ao real do concreto."


Palavrinhas que me renderam o belo troféu aí da foto. É uma escultura de Omar Franco, oferecida pelo Correio Braziliense ao vencedor do concurso em que foi escolhida uma frase comemorativa aos cinqüenta anos de Brasília. Gostaram da minha frase e gostei do prêmio. É instigante falar dessa cidade, ilha de sonhos cercada de gente por todos os lados, gente de todos os cantos, de todas as línguas. Brotaram também estas outras palavrinhas:




Brasiliamamos
(Vilma Santos)

Brasília, azul do céu de mar ausente
Brasília, magenta do céu de sol poente
Brasília do sotaque não-sotaque de toda a gente
Brasília das não-esquinas, gelada e quente

Brasília de tesourinhas não cortantes
De curvas insinuantes
De retas largas
Superquadras...

Brasília do lago
Brasília das Asas
Dos altos planos
Do Plano Piloto
Pedra rara do Planalto...
Brasília candanga
Brasília satélite
Jovem senhora
Cinqüenta anos de sonho concreto.
Brasilio,
Brasilia,
Brasiliamamos.

segunda-feira, abril 09, 2007


Muito interessante, o texto abaixo transcrito, publicado ontem no Correio Braziliense, na coluna Dicas de Português de Dad Squarisi. Presenciei um desses testes nos meus tempos de estudante, é muito engraçado!

PELO TELEFONE

“ Conhece o teste do telefone? Um grupo de pessoas se senta ao lado uma da outra. A primeira lê uma história. A segunda, sem ler, cochicha a narrativa no ouvido do vizinho. A terceira faz o mesmo. E, assim sucessivamente. O resultado é espantoso. O último texto não tem nem parentesco com o primeiro. Quer um exemplo?

O presidente fez este pedido ao diretor:
Na próxima sexta-feira, às 17h, o cometa Halley passará por esta área. Trata-se de um evento que ocorre a cada 78 anos. Assim, por favor, reúna os funcionários no pátio da fábrica, todos usando capacete de segurança, quando explicarei o fenômeno. Se chover, não veremos o raro espetáculo a olho nu.

O diretor, obediente, passou este recado a gerente:
A pedido do presidente, na sexta-feira, às 17h, o cometa Halley vai aparecer sobre a fábrica. Se chover, por favor, reúna os funcionários, todos com capacete, e os encaminhe ao refeitório, onde o raro fenômeno terá lugar, o que ocorre a cada 78 anos a olho nu.

O gerente transmitiu esta informação ao supervisor:
A convite do nosso querido presidente, o cientista Halley, de 78 anos, vai aparecer nu na fábrica, usando apenas capacete, quando vai explicar o fenômeno da chuva para os seguranças do pátio.

O supervisor, por sua vez, mandou esta mensagem ao chefe:
Todo mundo nu, na próxima sexta-feira, às 17h, pois o mandachuva do presidente, Sr. Halley estará lá para mostrar o raro filme Dançando na chuva. Caso comece a chover mesmo, o que ocorre a cada 78 anos, por motivo de segurança coloque o capacete.

O chefe repassou o convite para os operários:
Nesta sexta-feira, o presidente fará 78 anos. A festa será às 17h, no pátio da fábrica. Vão estar lá Bill Halley e seus Cometas. Todo mundo deve estar nu e de capacete. O espetáculo vai rolar mesmo que chova porque a banda é um fenômeno.

Moral da história: as palavras, principalmente as faladas, são pra lá de levianas. Traem. A gente pensa que diz uma coisa, o ouvinte entende outra, e a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita...”


terça-feira, abril 03, 2007

Reencanto


REENCANTO
(Vilma Santos)


Num ponto de espera ou
no ponto final ?
Enquanto não abre,
ou depois do sinal ?
Em qual rua, em que lua?
Nova mente crescente?
Quarto escuro ou minguante?
Em que plano, em que esfera?
Em qual era, em que aura?
Não sei!

Se veio, não vi
Ou bem te vi e se foi?
Ou virá quando ouvir
Cantar a sabiá?

Se vier saberá
Sem nada indagar
Que sou “quem” relativa
Sou “a” definida
Abstrata e concreta
Substantiva,
Adjetiva
Subjetiva
Objetiva e direta
Sou clara e obscura
O que enxerga a retina
E seu olho não vê.

Se vier saberei!...
Seu olhar de cristal
Vê detrás do espelho
Minha alma lavada
Na cara estampada.
Se vier, saberei...

quinta-feira, março 29, 2007

Vôo Solo


Vôo Solo

Disse Tom, que é impossível SER feliz sozinho...Talvez. Mas, se felicidade é um estado, é mais viável, ESTAR feliz. Há tanta coisa que me deixa feliz sozinha! Uma manhã de sol , céu “azul escândalo”, nuvem branca ou dourada, estrela cadente, sol nascente ou poente, lua cheia, nova ou crescente, grama orvalhada entre os dedos, botão de flor se abrindo, cantiga de passarinho, vento no bambuzal, silêncio total, dança de borboleta, bater de asas, queda dágua, espuma de onda, conchinha na areia, pedrinhas, chuva no telhado, um belo filme, um bom livro, uma canção suave, lavanda e alecrim, tomate com manjericão, macarrão quatro queijos, peixe no prato, vinho tinto seco merlot, bombom Ferrero Rocher, chocolate com menta, malas prontas pra viagem.

É, viajar sozinha, por que não? Muitas vezes viajei só, mas sempre havia alguém a minha espera. Dessa vez fui comigo mesma ao encontro de ninguém. Poderia escolher um “pacote”, ir de avião. Mas queria saber como anda a envergadura das minhas asas e minha capacidade de sobreviver só. Então, mãos à massa: escolher destino, hotel, o que fazer, onde comer, reduzir a bagagem ao estritamente necessário. Pantanal estava nos meus planos de outros carnavais e não é porque o vento mudou de direção que vou arriar as velas.
Primeiro inconveniente de viajar sozinha é não saber quem vai ocupar o assento ao lado e quase sempre é uma criatura espaçosa, com as pernas maiores que a cadeira e a cabeça pendente que insiste em cair no nosso ombro; por seis horas viajei em paz com minha janela, ninguém ao lado. Mas se era um teste de sobrevivência, não podia faltar a tal criatura...e veio um kit completo de grosseria; cheirava a álcool, despencou na cadeira feito um pacote, tirou os sapatos exalando gorgonzola, escancarou as pernas invadindo meu espaço. Fuzilei-o com um olhar que dizia tudo que precisava ouvir, baixei decididamente o braço separador das poltronas, fiz uma barreira com a bolsa que continha algumas coisinhas pontiagudas, enfiei os fones nos ouvidos, concentrei-me na paisagem voando pela janela e na música que não conseguia abafar o ronco da criatura que caiu em coma alcoólico e quatro horas depois desembarcou deixando-me em paz outra vez. Apesar disso, da precariedade das estradas e dos terminais rodoviários, por toda a beleza que conheci, voltaria ainda que de pau-de-arara. Meu vôo solo, acabou não sendo tão solo assim, pois como diz Dominguinhos, “amigos a gente encontra, o mundo não é só aqui...” No primeiro passeio estava com duas paulistas e onze alemães; no começo da manhã todo mundo isolado, cada um no seu canto...no fim da tarde eu já trocava informações com um casal alemão que mora no Rio Grande do Sul e despedi-me das paulistas com beijinhos e troca de e-mail; o taxista que deveria apenas me levar e buscar , tornou-se meu “guiamigo” nos dias seguintes. Decididamente, não estamos sós; para atrair gente basta descruzar os braços, olhar em volta e abrir ou entreabrir um sorriso, ainda que do tipo “Monalisa”, como dizem ser o meu. Já para atrair borboletas aprendi que é só fazer um “suco” de banana com água e açúcar e derramar no local onde se deseja tê-las; vou testar. E assim foi minha deliciosa aventura: acordar com uma orquestra de aves, ter a companhia de sanhaço azul no café da manhã, conviver com gente simples que desconhece o significado de muitas palavras, mas sabe perfeitamente o que é integridade e honestidade; gente que convive com bichos do mato como se fossem domésticos, respeitando e protegendo-os, gente que conhece a riqueza das matas pantaneiras que guardam verdadeiras farmácias: há plantas que servem de colírio, de antibiótico, de analgésico, de alimento; enfim num lugar onde não há médico, a mata resolve tudo.
É isso. Considero-me aprovada no teste: as asas, o GPS e o ímã pessoal funcionando direitinho. Aguardem-me cidades históricas de Minas, floresta amazônica, Fernando de Noronha, Campos do Jordão, Serras Gaúchas, Foz do Iguaçu, Machu Picchu, não necessariamente nessa ordem.

É possível sim estar feliz, sozinho; pelo menos, sozinha é.

À minha meia dúzia de visitantes, eis o meu novo álbum de fotos:

sexta-feira, março 16, 2007

Desamor


DESAMOR



Essa foto, que batizei de “Desamor”, rendeu-me um prêmio em um concurso de fotografia realizado em 2005, por um programa de saúde do Órgão em que trabalho. O tema era “Dependência: caminhos incertos”. Sei que a classificação não se deveu à qualidade da foto, nem à beleza (ou ausência de beleza), mas à idéia; foram abordados vários tipos de dependência, mas essa que costumamos apelidar de “dependência amorosa”, se não me engano, só eu lembrei. Estou falando da foto, porque foi ela que me veio à mente quando soube da tragédia que vitimou uma colega de trabalho que há mais de uma semana é triste manchete de jornais e tema de discussão diária. Dizemos que é um absurdo uma mulher bem informada, independente, chegar ao ponto de se matar por amor; sei que estou sendo repetitiva, mas amor não mata, não escraviza; para que se ame alguém, antes é preciso amar-se. Quem já não se respeita, não exige respeito, põe a própria vida nas mãos de outro, perdeu o amor próprio e portanto não pode amar. Apenas necessita tanto desse outro que se deixa morder pelo vampiro, que vê amor num pacto de morte, se é que houve isso. Há quem não acredite na hipótese de suicídio, visto que ela teria fortes convicções religiosas; mas penso eu, que direta ou indiretamente, foi suicídio sim...e vinha ocorrendo lentamente, desde que perdida a capacidade de se defender do ataque do pior ladrão que pode haver; o ladrão que aproveita a carência, a boa fé de alguém que comete o grande pecado de sonhar, de querer ser amada, e rouba-lhe a identidade, a alma. E então já não havia convicção nenhuma, apenas um deixar-se arrastar ao precipício. Para mim, Cida não morreu por amor. Matou-se com uma overdose de DESAMOR.

quinta-feira, março 08, 2007

Dia Internacional do Homem


Dia Internacional do homem

Que é bom receber flores, abraços, bombons, mensagens dos amigos comemorando o “Nosso Dia”, não dá pra negar; mas cá pra nós, tem coisa mais machista que “um”dia pra reconhecer o valor da mulher? Quer prova maior de que mulher ainda é considerada minoria? Ao que parece só minorias têm direito a datas comemorativas. Dia do Índio, Dia da Consciência Negra, Dia Internacional da Mulher...Qual é mesmo o dia do Macho Branco?
Mas pra quem não tinha direito a votar, a pensar, a trabalhar fora da cozinha, a participar das conversas e das refeições dos homens, até que evoluímos muito.
Tenho raiva e pena quando penso em mulheres como minha avó;.trabalhavam na roça pra ajudar os maridos, lavavam roupa no rio, açude ou cacimba, cozinhavam em fogão a lenha, torravam e pilavam café e ainda engomavam os ternos brancos dos senhores maridos que iam passar as noites com as quengas no cabaré, enquanto as esposas ficavam em casa cuidando de uma penca de filhos, feitos quando os maridos resolviam “usá-las” na cama e servir de boa vontade, ignorando a traição, era obrigação de mulher. Que mais elas podiam querer? Eles as sustentavam.
Hoje, apesar de termos de conviver com piadinhas idiotas que nos responsabilizam por todas as barbeiragens do trânsito, que nos taxam de assexuadas, se não damos muita bola pra homem, de galinha se damos demais (bola pra homem); se somos magrinhas, não “servimos pra uso”(ainda bem, quem serve pra uso é boneca inflável) ou quem gosta de osso é cachorro; se somos gordinhas, quem gosta de muita carne é açougueiro; se somos vaidosas, peruas; se não, relaxadas, não nos cuidamos; por aí vai. Apesar disso tudo e das que ainda se deixam escravizar pelos caprichos masculinos é bom ser mulher e saber que muitos homens consideram a mulher algo mais que um ser de cabelos longos e idéias curtas , ou um bicho com duas protuberâncias superiores na frente e duas inferiores atrás e que se alimenta de cartão de crédito masculino. É bom lembrar que temos o dom de aninhar vida no ventre, nos seios, nos braços, no colo. Vestidas de seda ou de chita, de salto ou de pé no chão, de mãos macias ou calejadas, plantando a semente ou amassando o pão, lavando a roupa ou desfilando moda, fazendo leis ou curando a dor, desatando nós ou estancando sangue; garotas da capa, de rua ou de programa, senhoras beatas, executivas, meretrizes ou meritíssimas; filhas, mães, sogras, avós, amigas, amantes, esposas, madrastas, madrinhas, todas somos belas na importância de nossa missão: Suavizar o mundo. Se falhamos, não é pela nossa condição feminina, é pela condição humana de imperfeição. Nunca seremos iguais ao homem, nem queiramos ser! Não queiramos ser superiores, mas também não deixemos que nos inferiorizem .Fomos feitos diferentes para um completar o outro. Que tal lembrarmos sempre, homens e mulheres, que somos todos feitos de um homem + uma mulher? Então comemoremos todos os dias, o Dia Internacional do Homem ser humano.
(A foto é de uma escultura exposta no Museu de Arte de Brasília em fevereiro de 2006. Pequei em não ter registrado o nome do autor. perdão!)